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junho 04, 2014

B165 – O Portal de Transporte



Eram as luzes da cidade, era o ponto, era a impaciência, era a espera. “He ate my heart…”, a  loira mais louca do mundo cantava diretamente em meus ouvidos, apesar da minha dor de cabeça e meus olhos sensíveis à luz que quase me tiravam a sanidade. Senti que não poderia na verdade não queria – ficar ali por mais tempo. 
Meus sentidos estavam super aguçados. Todo bocejo era um rugido, todo o falatório era tortura e nenhum som era bem-vindo. Não havia nada que eu pudesse fazer a não ser esperar. Boa noite? Só se for para você! A minha está péssima. Com licença? Passe por outro canto, pombas! Mania de incomodar os outros!
Um ruído ainda mais excruciante veio sem respeito nem empatia. Chegava cada vez mais perto até que, diante de mim, abriu-se um portal fantasmagórico trazendo com ele almas inquietas, impacientes e mal-humoradas – exatamente como eu me sentia.
Almas felizes e sorridentes me irritariam, me ofenderiam, estariam zombando da minha cara. Senti que a minha única opção era me juntar àquelas almas auto-destrutivas… E de fato era.
Sem enxergar mais nada eu estava beirando à loucura. Sofria ainda mais por já ter entrado naquilo que parecia ser um poço sobrenatural de sofrimento, ambiente sem ordem nem senso onde inúmeras vozes gritavam e grunhiam todas juntas. Para minha estranheza, em meio ao nevoeiro que minha mente fatigada criava, consegui ver um relevo que protuberava  do chão e assemelhava-se a um banco. Sentei-me sem muitas análises achando que tirar o peso de sobre minhas pernas me faria sentir melhor.
Parecia que o próprio ambiente era vivo, inteligível. Clareava e escurecia, provocava tremores, chacoalhava-se, fazia de tudo para maximizar as dores de seus prisioneiros. Em um curto espaço de tempo já havia o dobro de almas das que estavam ali quando entrei. O espaço físico limitara-se ao ponto de esbarrar no principio da impenetrabilidade. Tornou-se uma grande suruba com tormento no lugar de luxúria. Minha cabeça às vezes batia contra matérias impetuosamente sólidas que davam a impressão de serem barras de ferro. E se eu tentasse recostar a cabeça sobre qualquer superfície, não levava muito tempo até o lugar inteiro se chacoalhar para me presentear com um traumatismo craniano. Minha têmpora direita era vítima das muitas cotoveladas e esbarrões. 
O “Inferno de Dante” durou por uma eternidade. Nem consegui estimar uma quantidade de tempo para aquela experiência horrenda – o que faz sentido porque se de fato eu saí do plano físico, acredito que o Chronos não regia minha jornada.
Então, uma imagem bastante familiar se revelou aos meus olhos causando-me alívio e esperança: de alguma maneira eu era capaz de enxergar o lado de fora e o cenário tornava-se gradualmente mais nítido e peculiar. Acima da minha cabeça estava uma corda – uma cordinha esguia e fraca. O que se faz em uma situação como aquela em que eu estava, quando se vê uma corda? Em um momento eu me perguntei qual seria a razão para ela estar ali. Pouco depois, eu já sabia exatamente o que fazer com ela. Assim, a segurei firmemente, puxando-a com avidez e ansiedade. A cigarra apitou, o ônibus parou e aporta se abriu. Ufa! Cheguei em casa.

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